Primeiro, foi Cristiano Ronaldo. Em entrevista coletiva na Eurocopa, o jogador da seleção portuguesa de futebol retirou da bancada duas garrafinhas de Coca-Cola, patrocinadora do evento. Em seguida, disse aos cinegrafistas, fotógrafos e repórteres:
– Bebam água.
A mensagem rapidamente espalhou-se pelo mundo. E foi um enorme desrespeito com a empresa de refrigerantes, que investiu milhões de euros para patrocinar o evento. No dia seguinte, notícias começaram a relacionar uma perda da Coca-Cola de US$ 4 bilhões em ações ao gesto de Cristiano Ronaldo, o que se provou ser uma grande bobagem. As ações da companhia e de outras empresas já vinham caindo em virtude de vários fatores.
Dias depois, o jogador Paul Pogba, da seleção francesa, fez algo parecido: retirou da bancada a garrafinha da cerveja Heineken, outra financiadora da competição. A justificativa foi a religião: o atleta é muçulmano e não consome álcool. A dúvida é: ele não pode dar entrevistas perto de uma garrafinha de cerveja, mas pode jogar num estádio cheio de placas com anúncio da mesma marca? Cujos jogos são transmitidos em meio a comerciais da Heineken? Me parece, com todo respeito, que a atitude foi um pouco hipócrita.
Uma longa história de conflitos e constrangimentos!
Os dois casos parecem, aos olhos leigos, uma novidade, uma “revolução” nascendo. Mas não é nada disso. Infelizmente, existem inúmeros casos em que o relacionamento entre patrocinados e patrocinadores foi tenso. E nós, relações públicas, sempre tivemos que dedicar atenção especial à questão para evitar constrangimentos e prejuízo aos nossos clientes.
Lembro especialmente de um caso dos anos 80, no começo de minha carreira, quando trabalhava na maior agência de relações públicas do Brasil e um de nossos clientes patrocinava uma equipe de atletismo. Um dos atletas conquistou um recorde internacional e chegaria ao Brasil após a competição pelo aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro.
Fui para lá com uma camiseta do patrocinador, convenci o pessoal a me deixar entrar na área de desembarque (as regras não eram tão rígidas quanto hoje) e encontrei o atleta assim que ele foi pegar a bagagem. Pedi que vestisse a camiseta para ser fotografado com ela. Afinal, dezenas de fotógrafos e cinegrafistas de toda a imprensa o aguardavam do lado de fora. Ele topou.
Fiquei aliviada. Era a chance de a marca aparecer nas capas de jornais e revistas, e nos noticiários da TV. O atleta realmente saiu do desembarque vestindo a camiseta, mas após alguns flashes a retirou. Não ficou um minuto com ela. Eu não conseguia acreditar em tamanho desrespeito ao meu trabalho e, principalmente, à marca que pagava para que ele tivesse condições de competir.
Lógico que a imprensa usou imagens dele sem a camiseta, sem o patrocinador, e todo meu esforço foi em vão. O patrocinador ficou muito insatisfeito com o atleta. E mais do que prejuízo, ele ficou frustrado com a ingratidão. Sem os recursos proporcionados pela marca, aquele atleta não compraria nem uma passagem de ônibus para o interior do estado, quanto mais viajar para o exterior…
Mais cinco casos de famosos que “traíram” seus patrocinadores!
O ano era 2013 e Maria Sharapova estava com tudo! A musa e estrela do tênis havia acabado de vencer o torneio de Indian Wells quando pegou um celular em sua bolsa esportiva e digitou no Twitter: “ansiosa pare receber este troféu especial”. Embaixo do texto, surgiu o registro “Twitter for Iphone”, ou seja, mensagem publicada a partir de um smartphone da Apple. Detalhe: a tenista era patrocinada pela Samsung.
Na mesma época, a cantora Alicia Keys era garota-propaganda da BlackBerry e cometeu o mesmo erro: usou o Twitter a partir de um Iphone e causou um constrangimento enorme para sua patrocinadora. A artista se desculpou insinuando que sua conta na rede social havia sido hackeada, algo que nunca ficou provado.
E mais uma polêmica envolvendo futebol e refrigerante. Desta vez, com o arquirrival de Cristiano Ronaldo, o argentino Lionel Messi. Abordado por fãs brasileiros enquanto almoçava com a família, Messi, simpático, aceitou tirar várias fotos. O problema é que em sua mesa havia garrafas de Coca-Cola, e o principal patrocinador do atleta era a Pepsi.
Agora mais um caso também envolvendo a Pepsi, mas protagonizado pelo brasileiro Ronaldinho Gaúcho: ao ir jogar no Atlético Mineiro, Ronaldinho apareceu junto à painéis da marca de refrigerante. Só que ele possuía um contrato anual de patrocínio com a Coca-Cola, no valor de US$ 1,5 milhão. A Coca acabou rompendo o contrato com o atleta.
Neymar também não poderia ficar de fora dessa lista. Ele tinha um acordo com a desenvolvedora japonesa Konami para divulgar o jogo de videogame Pro Evolution Soccer. Mas postou no Instagram uma foto em que jogava o game FIFA, principal concorrente dos japoneses. Que falha!!!
Qual é o papel do profissional de relações públicas na administração desses conflitos?
Na verdade, o trabalho começa antes que os conflitos apareçam. É preciso lembrar sempre que, por mais famosos e milionários que artistas e atletas sejam, nem sempre eles são bem aconselhados por seus empresários, agentes e advogados. O staff da personalidade pode ser brilhante, mas está preocupado com desempenho, valores, novas oportunidades, projeções comerciais. Será que eles conversaram sobre respeito ao patrocinador? Sobre o que deve ou não ser feito?
O relações públicas do patrocinador – ou mesmo do atleta – precisa cuidar dessa orientação. Explicar os efeitos negativos que uma atitude ruim pode ter tanto para o patrocinador quanto para o patrocinado. Sim, se a marca perde, a personalidade também perde.
A marca tem muito mais dinheiro que o contratado, certo? Coca, Pepsi, Samsung, Apple e outras são empresas bilionárias. Elas podem romper o contrato a qualquer momento, como a Coca-Cola fez com Ronaldinho Gaúcho. Veja o prejuízo que o jogador teve: imediatamente, ficou sem uma renda de US$ 1,5 milhão por ano.
Além disso, personalidades que não respeitam uma marca são vistas como problemáticas por todas as outras. Afinal, se a Maria Sharapova é descuidada com a Samsung, vai ficar atenta aos compromissos com outra empresa? Será que vale a pena apostar nela? Ou é melhor investir em outra tenista?
Preservar o relacionamento entre marcas e pessoas famosas é uma das minhas missões ao longo de tantos anos de carreira. O que aprendi lá no comecinho, no aeroporto do Galeão, levei para sempre. Nunca mais passei pelo mesmo tipo de situação, porque comecei a impedir que ela acontecesse. Agi preventivamente e cortei todas as possibilidades de que algo do tipo ocorresse, prejudicando meus clientes.
É assim que um bom RP trabalha: antevendo problemas e criando as melhores soluções para a imagem de quem confia em nosso trabalho!
Até a próxima!